Minha motivação para escrever este texto é pessoal. Minha
amiga Vivian Mendes, alguém que sempre admirei muito pela disposição para a
luta em prol daqueles que precisam de justiça (em diversos planos!), sofreu com
a violência policial em uma manifestação em São Paulo na última semana. Não
consegui permanecer calada. O mais interessante é que, mesmo sabendo que tenho
uma visão diferente das coisas, Vivian nunca me criticou. E essa relação de
respeito é a base para que eu pudesse pensar da forma que penso. Temos visões
de mundo diferentes e isso não impossibilitou nossa convivência, nossa amizade.
No entanto, no mundo lá fora, não é sempre assim.
Essa coisa de visão de mundo é algo engraçado. Todo mundo
tem a sua e alguns grupos se formam por conta de visões semelhantes sobre
determinados pontos. E mesmo em pequenos grupos há divergências. Imagine nos
grandes... apesar de se unirem por um ou dois aspectos em consenso, nem sempre
as pessoas se comportam da mesma maneira, veem as coisas da mesma maneira. E
assim aconteceu durante a manifestação em que Vivian estava. Por que em meio a
protestos legítimos há sempre alguém disposto a quebrar, desrespeitar...?
Irônico que um movimento em luta por direitos seja ‘composto’ também por
pessoas que não os respeitam. Pode ser que estivessem ali não pelos direitos,
mas por SUA visão que, de acordo com a MINHA, é deturpada, doente, imbecil.
Assim é o mundo. E visões diferentes sobre ele são tantas
quanto os seres humanos que o habitam. Daí, quando uma delas considera
necessário e legítimo exercer poder sobre outras pessoas, a coisa fica feia. A
quebradeira é um exercício de poder sobre os outros por meio da depredação da
propriedade. A violência contra pessoas é ainda mais covarde. Vivian a viu de
muito perto, a sentiu na pele. Impossível para uma amiga não se preocupar, mas
resisti à ideia de pedir que se afastasse do que ela chama de luta. Não tenho
esse direito. Ela conhece os riscos e ainda assim escolheu esse caminho.
Caminho que muitos já escolheram na história da humanidade e, se não fosse por
eles, não estaríamos usufruindo direitos tão básicos como a liberdade, por
exemplo.
Seria ideal se todas as visões de mundo pudessem se
apropriar de um verdadeiro diálogo. Se todo detentor de visão de mundo soubesse
que o que pensa é apenas uma entre tantas visões. Mas mesmo aqueles que
conhecem essa característica peculiar da humanidade, não conseguiriam VER todas
as visões, RESPEITAR todas elas. Não somos capazes disso. Só Deus é. No
entanto, mesmo sabendo disso, continuo na minha luta de ampliar a visão de
mundo dos meus alunos, enquanto luto para ampliar a MINHA. O que não significa
que sou capaz de não repudiar toda forma de violência. E mesmo na ‘trincheira’,
Vivian, na há apenas dois lados, não é? Apesar de a polícia achar que sim...
Minha amiga, dizer ‘sem direitos, não vai ter copa’, é uma
declaração de guerra. Pelo menos discursivamente. Sinto em dizer que é uma
guerra dolorosa, desigual e que não tenho coragem suficiente para que possa lutar
com você. Quero, sim, que o mundo seja mais justo, inclusive com aqueles que
têm essa coragem para gritar por justiça. Que o Estado passe a escutar de tal
forma que não seja mais necessário gritar. E que todos os envolvidos pelo menos
ganhem a percepção de que visões de mundo são parciais, sejam semelhantes ou
diversas. Quem sabe assim o ranger de dentes e a violência possam diminuir.
Enquanto a humanidade tiver que gritar, provocar e sofrer violência, significa
que estamos travando uma guerra de quase cegos. Nem por isso, desnecessária.